02 Maio,2014

Aspectos da política tributária brasileira

Alguém crê que num país em que a União Federal, 27 Estados, o Distrito Federal e 5.570 municípios detêm competências tributárias específicas será possível, algum dia, se construir uma REFORMA TRIBUTÁRIA de interesse geral do País?

Depois de 20 anos debatendo tributação sou forçado a afirmar que o debate sobre o tamanho da carga tributária, hoje, é menos importante que o debate sobre sua qualidade, tamanha a dimensão da deterioração sistêmica da qualidade da tributação nesse período.

Paradoxos: a Reforma Tributária e seus consensos

1. Todos aqui já ouviram ou leram que o nosso Sistema Tributário é: complexo, oneroso, induz à sonegação (especialmente a involuntária), é anticompetitivo, anticomércio exterior e anti-investimento.
2. Também ouviram que é preciso reduzir o tamanho da carga tributária; que também é preciso simplificar o sistema como um todo e em especial as obrigações acessórias e consolidar a legislação fiscal, reduzindo-a, porque é insuportável deparar-se com cerca de 250.000 normas em vigor (IBPT); e que deveria haver um regulamento único do ICMS.
3. Certamente também já se cansaram de ouvir que um novo sistema tributário deve: (3.1) respeitar os princípios da boa tributação (transparência + justiça + equidade + simplicidade + neutralidade + universalidade e ser aderente à capacidade contributiva dos cidadãos e das empresas). (3.2) garantir estabilidade das regras e respeito ao direito de uso dos créditos fiscais. (3.3) garantir a imunidade das exportações e desoneração completa dos bens de ativo fixo. (3.4) não ter tributos cumulativos. (3.5) ter mecanismos de proteção aos contribuintes. (3.5) garantir isonomia tributária na relação exportação versus importação (carga idêntica à suportada pelo produtor nacional).

Esses três grandes consensos servem para quê? Talvez para debates acadêmicos, monografias, teses de mestrado... Mas até agora foram incapazes de induzir e possibilitar uma caminhada política suprapartidária em direção ao modelo tributário requerido.

Os males da tributação: origem

Os males mais importantes da tributação brasileira começam em 1967, quando o país adota a tributação sobre o valor agregado (ICM) copiando a ideia do IVA francês. O pecado original foi conceder competência estadual ao ICM. Um modelo próprio aos estados unitários (a tributação sobre o valor agregado) aplicado em estado federativo não tinha mesmo muita chance de dar certo no longo prazo. De lá aos dias atuais, tudo piorou.

A alternativa brasileira foi – no início - ter um aparente controle informal sobre os embates interestaduais, até se chegar ao CONFAZ, que exercita um igualmente aparente controle formal.


Tributação pós Constituição de 1988
Fratricidio tributário: o esporte preferido da federação brasileira.

A redistribuição de competências e encargos entre os três níveis da federação, fixados na CF de 1988, deu início ao processo de deterioração.

Na ausência de condições políticas para uma reforma para valer, União, Estados e Municípios partiram para Iniciativas isoladas que deterioram a qualidade do sistema.

AÇÕES DA UNIÃO – Alguns Exemplos

A União deu ênfase às contribuições sociais que não são repartidas com estados e municípios, via FPE e FPM. A arrecadação de PIS-PASEP, COFINS, CSLL (e CPMF) cresceu em maior proporção que a de IPI e IR que são repartidas com estados e municípios.
De 1998 a 2010 a arrecadação de IPI + IR cresceu 8,5 vezes (de R$ 62,3 bi para R$ 248,7 bilhões).
De 1998 a 2010 a arrecadação de PIS-PASEP + COFINS + CSLL cresceu 27,7 vezes (de R$ 33,9 bilhões para R$ 226,8 bilhões).


REAÇÕES DOS ESTADOS - EXEMPLOS

Guerra fiscal para atrair investimentos
Guerra fiscal para atrair “importações” (excrescência)
Substituição Tributária que desmoraliza o ICMS (Liderada por SP)
Aumento das Alíquotas (O desafio é saber quantas alíquotas do ICMS existem no Brasil)
Concentração das grandes alíquotas em poucos produtos (energia + Telecomunicações + Petróleo) as quais, em alguns estados, representam até 50% da arrecadação total. Antes de 1988 esses produtos eram tributados por IUM, com alíquota em torno de 8%. Hoje há alíquotas de ICMS sobre energia e petróleo até de 31%, por dentro. (44% real)
Defesa da incidência “por dentro”: quando 18% é 22% e 31% é 44%!
Exageros no IPVA.

MUNICÍPIOS

Os municípios fizeram uma ampliação extraordinária do rol de serviços que são tributados pelo ISS. Exageros no IPTU.

(ESSE QUADRO DIFICULTA QUALQUER DEBATE RACIONAL ACERCA DE UMA PROPOSTA DE REFORMA TRIBUTÁRIA QUE LEVE EM CONTA O INTERESSE NACIONAL, EM UM MUNDO GLOBALIZADO E COMPETITIVO)


Avanços pontuais inteligentes

Instituição do IR – Lucro Presumido. Alcança milhões de empresas. É um modelo que atende ao princípio da simplicidade e não é oneroso. Alcança empresas de serviço e boa parte do comércio.

Instituição do Simples.
Instituição do Simples Nacional. (4,6 milhões de empresas)
Instituição do Micro Empreendedor Individual (3,6 milhões de CNPJ)

Retrocessos

CREDITOS FISCAIS. O GRANDE DRAMA EMPRESARIAL.

Sistema de apuração dos créditos favorece o fisco e prejudica as empresas.

ICMS – a sistemática de apuração é o chamado crédito físico (só gera crédito o que fisicamente se agrega ao produto). Deveria ser “crédito financeiro” – Tudo que entra gera crédito. (O sistema resulta em aumento do imposto a pagar).
PIS e COFINS - a sistemática de apuração de bases versus bases dá extraordinário poder discricionário à União.

(Ver Lei Kandir (direito de uso dos créditos sobre bens de uso e consumo vem sendo prorrogado desde 1996 – última prorrogação até 2022!)

Crédito sobre ativo imobilizado. Direito de uso em 48 meses no ICMS (sob condições). Em PIS e COFINS o direito de uso era em 12 meses (Nos anos recentos esse prazo foi eliminado)


Gargalo ao acesso legítimo aos créditos.
União e Estados dificultam o acesso aos créditos fiscais que pertencem às empresas. Há dois anos havia um estoque enorme de créditos de ICMS e PIS e COFINS, sobretudo em relação aos exportadores, estimado em R$ 40 bilhões (ICMS ) e R$ 20 bilhões (PIS e COFINS). Isso nada mais é que DÍVIDA PÚBLICA camuflada a custo zero para o Tesouro.

Reforma Tributária: Apontamentos para uma reforma de interesse do País.

O Brasil precisa de uma REFORMA TRIBUÁRIA que nos conduza a um espécie de esperanto tributário, ou seja, que tenha a mesma linguagem da maioria dos países, em especial dos nossos concorrentes.
Uma reforma que simplifique, mitigue a burocracia, amplie a transparência e resulte em redução da carga total.
O nosso federalismo impede o avanço de uma boa reforma, pois não é cooperativo, ao contrário, tem sido quase antagônico aos interesses do País. Além da mencionada competição fratricida.
Modelo: IVA Federal (ICMS + PIS + COFINS + IPI + ISS), com repartição automática dos recursos na boca do caixa. Transição em 5 anos com garantia de não perda de receita. IR incorpora CSLL.
Derrubar conceitos como o cálculo por dentro do ICMS.
Não permitir restrições ao legítimo direito de uso dos créditos fiscais de qualquer origem.
Definir o momento de entrada de ICMS e o ISS no IVA.
Tecnicamente tudo é perfeitamente possível e fácil. Nas a questão é política.

Se não a grande reforma é inviável, ajustes pontuais são possíveis.

1. Regras claras e estáveis sobre créditos fiscais. Respeito aos créditos.
2. (Deputados: há na CD o PL 6530 que corrige essa anomalia. É só votar e aprovar.)
3. Acabar com tributação sobre o investimento produto (na construção de uma usina hidrelétrica, antes de produzir, há um custo tributário de 40%)
(O mesmo PL mencionado trata dessa matéria)
4. Desonerações pontuais não podem ser vistas como boa política.
5. ICMS: regulamento Único. Fim do CONFAZ e seu autoritarismo tributário. (excrescência administrativa).
(Por que os governadores não lideram essa modernização?)
6. ICMS: fixação de limite máximo de alíquota e fim do cálculo por dentro.
(O fim do “cálculo por dentro” é uma matéria já tratada nesta Casa e os senhores parlamentares a rejeitaram!)
7. ICMS. Disciplinar a SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA, ou então acabar com o ICMS, pois a ST é a negação do ICMS.
(o Senado está tratando dessa matéria hoje. Ela também está no PLP 221 que avança na legislação do SIMPLES NACIONAL. É só votar e aprovar).
8. Reduzir burocracia. Nos últimos anos a Receita Federal teria produzido duas novas normas a cada hora (FIESP). Custo para administrar e pagar tributos é muito elevado no Brasil. E-Social (Ato de 207 páginas!)
9. Preservar e modernizar a legislação do SIMPLES NACIONAL.
(Nesse momento o Plenário começa a debater o PLP 221 que trata do avanço do Simples Nacional. É só votar e aprovar.)
Conclusão

Defendo um modelo tributário moderno e adequado às necessidades do País e sua crescente importância econômica no mundo globalizado.
As propostas de RT dos últimos anos, e medidas tributárias infraconstitucionais, com raríssimas exceções, têm mais ou menos as mesmas características;
• Focam o CAIXA de União, Estados e Municípios.
• Têm visão curta em relação à competitividade nacional.
• O olhar sobre o interesse do País e da sociedade é distante.
• Ficam longe do desejado “esperanto tributário”.

Antes do debate e de eventual aprovação toda e qualquer proposta deveria ser submetida a três perguntinhas básicas:
1) A proposta contribui para melhorar a competitividade do produto nacional?
2) Contribui para ampliar e qualificar a exportação brasileira?
3) Contribui para a geração de emprego e renda?

Será que a união federal, os 27 estados e o DF e os 5.570 municípios estariam dispostos à submissão de suas propostas tributárias ao crivo dessas três questões?
POR FIM:
A REFORMA TRIBUTÁRIA não pode ser um discurso!

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